O Papel do Alfa e do Ativo nas Relações: Reflexões Sobre Dinâmicas e Parcerias
O Papel do Alfa e do Ativo nas Relações: Reflexões Sobre Dinâmicas e Parcerias
Ao longo da história, as relações humanas têm sido moldadas por normas sociais e culturais que frequentemente associam papéis específicos a cada gênero. Em muitas discussões contemporâneas, surgem questionamentos sobre esses papéis: o homem deve ser sempre o “alfa” ou o “ativo” de uma relação? E, mais importante, tais dinâmicas são realmente necessárias para o sucesso de uma parceria?
As visões tradicionais de liderança e submissão nos relacionamentos levantam uma série de reflexões sobre como as construções sociais moldam nossas expectativas. Pesquisas em sociologia e psicologia sugerem que esses papéis são menos universais do que imaginamos, variando conforme o contexto histórico, cultural e individual. Este ensaio propõe uma análise crítica dessas dinâmicas, explorando suas origens, suas implicações e as alternativas que podem promover relações mais saudáveis e igualitárias.
Alfa e Ativo – Necessidade ou Construção?
A ideia de que as relações devem seguir uma lógica hierárquica, onde um parceiro lidera (o “alfa” ou o “ativo”) e o outro assume um papel de apoio (o “passivo”), tem raízes profundas nas estruturas culturais e sociais que moldaram a humanidade. Antropólogos, como Margaret Mead e Claude Lévi-Strauss, argumentaram que as dinâmicas de poder nos relacionamentos refletem, em grande parte, as necessidades econômicas e organizacionais das sociedades em que surgem. Em comunidades agrícolas tradicionais, por exemplo, as normas que reforçavam o homem como líder tinham justificativas práticas ligadas à divisão do trabalho e à sobrevivência da família.
Por outro lado, estudos históricos e sociológicos mais recentes questionam se essa hierarquia é uma necessidade biológica ou apenas uma construção social. A socióloga Judith Butler, em sua obra seminal Gender Trouble, explora como normas de gênero são continuamente reproduzidas e desafiadas. Butler argumenta que papéis como “ativo” e “passivo” são, em sua essência, performances culturais, em vez de verdades naturais.
De fato, culturas matriarcais, como a dos Minangkabau, na Indonésia, demonstram que papéis de liderança feminina podem coexistir com comunidades prósperas e harmoniosas. Essas exceções destacam que o papel do “alfa” é fluido e adaptável, dependendo das circunstâncias. Assim, é razoável concluir que as dinâmicas de poder são menos uma necessidade e mais uma convenção que pode ser desafiada e transformada.
O Conforto na Dinâmica de Ativo e Passivo
Para algumas pessoas, a clara divisão de papéis nos relacionamentos — com um parceiro assumindo o papel de ativo e outro de passivo — proporciona estabilidade e previsibilidade. Essa organização pode parecer natural em contextos onde expectativas e papéis são mutuamente compreendidos e aceitos. Entretanto, essa configuração frequentemente gera tensões quando se baseia em normas rígidas que não consideram as nuances individuais de cada parceiro.
Pesquisas em psicologia relacional, como as de John Gottman, indicam que a harmonia conjugal está menos relacionada à rigidez de papéis e mais à capacidade de comunicação e validação emocional. Casais que compartilham uma divisão clara, mas flexível, de responsabilidades relatam maior satisfação, especialmente quando os papéis não são impostos por pressões externas.
Por outro lado, é comum observar que quando o homem assume o papel de “alfa”, ele frequentemente enfrenta uma pressão social para reafirmar sua posição, o que pode levar ao esgotamento emocional e a conflitos. A psicóloga Brené Brown explora, em seus estudos sobre vulnerabilidade, como essas pressões sobre os homens para corresponder a ideais de força e liderança frequentemente resultam em isolamento emocional.
Curiosamente, quando mulheres ocupam o papel de liderança em relações heteronormativas, as tensões parecem ser menores, segundo estudos publicados por Lisa Wade em American Hookup. Isso ocorre, em parte, porque muitas mulheres demonstram uma abordagem menos conflituosa à liderança, priorizando cooperação e comunicação. Esse fenômeno desafia o estereótipo de que o papel de liderança seria necessariamente mais adequado aos homens.
Embora seja possível que essa dinâmica funcione para muitos casais, a real questão é: qual o custo de manter essas divisões? Para alguns, essas normas rígidas podem limitar a espontaneidade e a capacidade de explorar outros aspectos de suas personalidades dentro da relação.
Por Que É Difícil Aceitar Mulheres Como Alfa?
A dificuldade em aceitar mulheres como líderes em relacionamentos reflete um legado histórico e cultural profundamente enraizado. Desde a Antiguidade, atributos como força e assertividade foram amplamente associados aos homens, enquanto mulheres eram relegadas a papéis de apoio e cuidado. A filósofa Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo, argumenta que essas distinções não são intrínsecas, mas sim construídas por estruturas patriarcais que relegam as mulheres à condição de “outra” — sempre em relação aos homens.
Essa resistência é também perpetuada por narrativas culturais e religiosas. Em muitas tradições, figuras masculinas foram colocadas no topo das hierarquias familiares e espirituais, como exemplificado na predominância de patriarcas nas escrituras das religiões abraâmicas. Esses padrões moldaram as expectativas sociais de liderança, dificultando a aceitação de mulheres em posições de poder, mesmo dentro do âmbito doméstico.
No entanto, estudos contemporâneos desmistificam a ideia de que características como liderança são exclusivas dos homens. A psicóloga Alice Eagly, em sua pesquisa sobre estereótipos de gênero e liderança, aponta que as mulheres, ao liderarem, tendem a adotar estilos mais colaborativos e empáticos. Esses estilos não só desafiam a noção tradicional de liderança, como também demonstram eficácia igual ou superior em muitos contextos, incluindo relacionamentos íntimos.
Ainda assim, a aceitação de mulheres como alfas muitas vezes esbarra na insegurança masculina, uma questão que transcende o campo pessoal e adentra o social. Estudos sociológicos sugerem que muitos homens percebem o sucesso feminino como uma ameaça à própria identidade. Esse fenômeno foi detalhado por Michael Kimmel em Guyland, onde ele explora como normas masculinas criam barreiras para homens que desejam romper com essas expectativas tradicionais.
A resistência à liderança feminina, portanto, não é apenas um reflexo de construções culturais, mas também de um conflito interno que os homens enfrentam ao tentar reconciliar suas identidades com um mundo em mudança. Desafiar essa resistência exige um esforço coletivo para questionar normas de gênero e valorizar estilos de liderança diversos e autênticos.
A Insegurança Masculina e a Confusão de Papéis
A insegurança masculina diante de mulheres em posições de liderança, tanto em relacionamentos quanto em outros contextos, é frequentemente fruto de uma construção cultural que associa masculinidade ao poder e controle. Desde a infância, muitos meninos são socializados para internalizar normas rígidas de gênero que vinculam sua identidade à capacidade de liderar e dominar. Quando essas expectativas são desafiadas, surge um conflito interno entre os papéis tradicionalmente atribuídos e os sentimentos pessoais.
Estudos como os de Raewyn Connell, que introduziu o conceito de masculinidade hegemônica, ajudam a compreender essa dinâmica. Connell descreve como a masculinidade dominante é construída em oposição a tudo o que é percebido como “feminino”, criando uma pressão constante para os homens reafirmarem sua superioridade. Essa pressão é amplificada por narrativas culturais e mídias que glorificam figuras masculinas dominantes, como heróis de ação ou líderes carismáticos.
Entretanto, pesquisas recentes em psicologia, como as conduzidas por Ronald Levant, sugerem que essa construção social não reflete uma necessidade biológica, mas sim uma adaptação às normas culturais. Homens que abraçam uma masculinidade mais flexível — uma que valoriza a vulnerabilidade e a cooperação — relatam maior satisfação em seus relacionamentos e menor estresse psicológico. Esses achados apontam para o papel central da resiliência emocional na superação da insegurança.
Além disso, essa confusão de papéis muitas vezes não se limita ao indivíduo, mas afeta o relacionamento como um todo. Quando homens resistem à ideia de uma parceira em posição de liderança, criam barreiras para a comunicação e a colaboração. Como argumenta Esther Perel em Mating in Captivity, a segurança emocional e o respeito mútuo são os pilares de relações saudáveis. Para alcançar esse equilíbrio, é crucial que ambos os parceiros desafiem as normas que limitam suas expressões individuais e adaptem seus papéis conforme as necessidades específicas da relação.
Portanto, a superação da insegurança masculina não depende apenas de mudanças internas, mas de um esforço coletivo para redefinir a masculinidade como algo mais inclusivo e adaptável. Quando os homens se libertam dessas amarras culturais, eles se tornam mais capazes de construir relações baseadas na parceria, em vez de na hierarquia.
Parcerias em Vez de Hierarquias
À medida que as normas tradicionais de gênero e poder são questionadas, cresce o reconhecimento de que relacionamentos saudáveis são construídos com base na parceria, e não na hierarquia. Em vez de insistir em uma dinâmica onde um parceiro deve liderar e o outro seguir, muitos casais têm encontrado maior equilíbrio ao dividir responsabilidades de forma colaborativa e flexível.
Pesquisas realizadas por Gary Chapman, autor de As Cinco Linguagens do Amor, indicam que a satisfação relacional está diretamente ligada à capacidade de cada parceiro de reconhecer e atender às necessidades do outro. Isso implica que papéis rígidos, como o de alfa ou passivo, muitas vezes não conseguem atender às demandas emocionais mais complexas de uma parceria. Em contrapartida, quando os casais compartilham decisões e responsabilidades, promovem um ambiente de respeito e valorização mútua.
Além disso, estudos em sociologia e psicologia sugerem que a co-liderança nos relacionamentos favorece uma maior estabilidade emocional. Por exemplo, a teoria do apego de John Bowlby destaca a importância de cada parceiro como base segura para o outro, algo que é mais bem alcançado quando ambos compartilham papéis de apoio e liderança, conforme necessário.
Casais que praticam esse modelo de parceria relatam maior resiliência diante de desafios externos. Um estudo longitudinal publicado na revista Family Process revelou que casais que compartilham tarefas domésticas, decisões financeiras e cuidados parentais apresentam níveis mais altos de satisfação e menor incidência de conflitos graves. Esses achados reforçam a ideia de que abandonar modelos hierárquicos tradicionais pode ser a chave para relações mais equilibradas e felizes.
Além disso, a flexibilidade nos papéis permite que os parceiros explorem diferentes aspectos de suas personalidades, promovendo crescimento pessoal dentro do relacionamento. Em vez de se restringirem a um único papel, cada pessoa tem a oportunidade de contribuir de maneiras únicas e dinâmicas, fortalecendo a conexão e a intimidade entre elas.
No fim, a parceria não exige a eliminação total de papéis, mas sim a redefinição deles para atender às necessidades individuais e coletivas. Em um mundo cada vez mais diverso, abraçar essa flexibilidade é essencial para construir relações que reflitam valores contemporâneos de igualdade e respeito mútuo.
Conclusão – Flexibilidade e Respeito São Essenciais
Tanto homens quanto mulheres têm a capacidade de desempenhar papéis de liderança ou apoio em relacionamentos, e o sucesso dessas dinâmicas depende mais da flexibilidade e do respeito mútuo do que de normas predefinidas. A ideia de que um parceiro deve ser sempre o “alfa” ou o “ativo” está se tornando cada vez mais obsoleta em um mundo que valoriza a colaboração e a individualidade.
Abandonar expectativas rígidas de gênero não é apenas uma questão de justiça social, mas também de funcionalidade relacional. Estudos de psicologia e sociologia mostram que casais que compartilham papéis de forma equilibrada e adaptativa desfrutam de maior satisfação emocional e longevidade em seus relacionamentos. Quando ambos os parceiros se sentem valorizados em sua totalidade, sem a necessidade de se conformarem a papéis impostos, as relações se tornam mais autênticas e enriquecedoras.
Além disso, abraçar essa flexibilidade não significa abandonar completamente a estrutura ou a organização em uma parceria. Em vez disso, trata-se de criar um espaço onde ambos os indivíduos possam explorar livremente suas capacidades e contribuir de maneira significativa para o bem-estar mútuo. Em alguns momentos, um parceiro pode liderar; em outros, pode apoiar — o mais importante é que essas decisões sejam feitas em conjunto, com base nas necessidades e habilidades de cada um.
Como bem observou Bell Hooks em All About Love, o amor verdadeiro requer coragem para desafiar convenções e construir algo novo. Essa visão é essencial para relações que buscam transcender os limites de papéis binários e hierárquicos, permitindo que o amor floresça em sua forma mais plena: uma parceria igualitária, baseada no respeito mútuo, na empatia e no compromisso.
No final, o que realmente importa em qualquer relacionamento é a disposição de construir algo juntos, reconhecendo e valorizando as contribuições de cada parceiro. Seja em dinâmicas tradicionais ou em configurações inovadoras, o sucesso de uma relação está em encontrar o equilíbrio que melhor reflete os valores e as aspirações compartilhadas. Ao desafiar normas antiquadas e abraçar a diversidade de possibilidades, abrimos caminho para relações mais saudáveis, felizes e verdadeiramente transformadoras.