O Perfume que Não Senti: Uma Crônica Sobre a Dificuldade de Celebrar
Ontem eu fui muito desagradável com minha irmã, para dizer o mínimo. É uma frase que pesa ao ser escrita, um reconhecimento amargo de uma falha que ecoa mais forte no silêncio da reflexão posterior. Minha irmã está grávida de seu segundo filho, uma menina, após o primogênito menino. A chegada de uma criança, sabemos todos, é sempre regada a muita alegria, uma promessa de renovação que parece suspender, ainda que brevemente, as asperezas do mundo.
Fui visitá-la, levado por esse sentimento compartilhado de antecipação feliz. Ela, radiante em sua espera, foi me mostrar parte do enxoval que já havia sido comprado. Tudo muito lindo, delicado, tingido com as cores suaves da esperança. Passamos pelas roupinhas minúsculas, testemunhas silenciosas de uma vida que ainda não respira o ar do mundo, mas que já ocupa um espaço imenso nos corações.
Depois, fomos para os perfumes e shampoos. E foi aqui que tropecei. Foi aqui que o meu eu, esse labirinto de memórias e distrações, se sobrepôs ao momento que não era meu, mas dela. Imagine o entusiasmo de uma mãe grávida. Tente. Eu tento, mas sei que só dá para imaginar. Só quem passa por esse ritual de nove meses, por essa transformação íntima e profunda, pode verdadeiramente expressar todo o entusiasmo. São tantas manifestações e pulsações internas que a linguagem, essa ferramenta tão humana e tão falha, não dá conta de traduzir.
A linha de perfumes e shampoos, todos combinando, era uma promessa olfativa, uma viagem sensorial para lugares que a mente, talvez, nem consiga alcançar conscientemente, mas que o corpo e a alma registram. Um cheiro para acalmar, outro para despertar ternura, um universo de sensações encapsulado em pequenos frascos. E então, no meio dessa apresentação carregada de significado para ela, veio o meu erro nefasto.
Não dei a devida atenção. Pior: em vez de compartilhar aquele momento, de me deixar contagiar pela alegria dela, de celebrar a escolha, o cuidado, a antecipação, eu a questionei. Fui buscar em mim um cheiro de perfume e shampoo que eu me lembrava, ou achava que lembrava. Uma fragrância fantasma, talvez um cheiro que tenha me marcado em algum momento fugaz da vida, mas que minha memória, essa trapaceira, não me permite precisar. Uma busca egoísta por uma validação pessoal, uma tentativa desajeitada de conectar a experiência dela a algo meu, quando o convite era justamente o oposto: conectar-me a algo dela.
Eu devia ter deixado essa sensação comigo. Devia ter guardado essa memória vaga, essa busca infrutífera, para outro momento, ou talvez para nunca. Aquele era o momento de minha irmã. Era o palco dela, a celebração dela. Meu papel ali era simples: aplaudir, sorrir, compartilhar. Eu deveria celebrar com ela, sem reservas, sem desvios, sem a intromissão do meu próprio arquivo de sensações.
Hoje, refletindo sobre o ocorrido, a lembrança do meu desvio de foco me causa um desconforto físico. Mandei mensagem pedindo perdão. Um gesto necessário, ainda que eu saiba que palavras dificilmente apagam a sensação deixada por uma atitude. Tarde demais? Talvez. O estrago, a pequena fissura na partilha daquele momento, estava feito. Mas o pedido de desculpas era essencial, não para apagar o erro, mas para reconhecê-lo. Para mim e para ela.
Não escrevo isto em busca de apoio ou redenção. Escrevo porque a reflexão é, para mim, uma ferramenta de aprendizado. Escrevo para gravar em mim a lição, para tentar não cair novamente em tal erro. É um exercício de autoconsciência, uma tentativa de entender por que falhei em algo tão fundamental: estar presente para o outro em sua alegria.
E se, por tabela, esta crônica ressoar em alguém, se afetar o leitor a ponto de fazê-lo pausar antes de cometer um erro semelhante, então meu deslize terá servido a um propósito maior. Terá sido um exemplo a não ser seguido, uma pequena placa de advertência no caminho das relações humanas.
Alguém pode ler e achar exagero, bobagem ou coisa pequena. Um perfume, um shampoo, uma conversa distraída. Engano. Não se trata dos objetos em si, mas do que eles representam naquele contexto. Trata-se da validação, da partilha, da conexão. Nós precisamos desesperadamente exercitar nossa capacidade de celebrar as conquistas e alegrias dos outros. Em um mundo tão frequentemente marcado pela competição e pela comparação, a celebração genuína do outro é um ato de resistência, um bálsamo.
E uma gestação… ah, uma gestação me parece algo único, quase sagrado. Digo “me parece” porque sou apenas um espectador. Reconheço meu lugar. Só quem passa pela experiência pode, de fato, contemplar todo o processo, sentir as transformações, abrigar por nove meses essa semente que vai desabrochar em vida. Não quero incorrer em mais um erro achando que sei, que entendo completamente. Eu só imagino. E minha imaginação, por mais que se esforce, será sempre pálida diante da realidade vivida.
Voltando à celebração das conquistas alheias. Nós precisamos exercitar esta capacidade. Precisamos treinar nosso olhar para ver a luz no outro, treinar nossos ouvidos para escutar o entusiasmo alheio, treinar nosso coração para vibrar junto. Não é fácil. Vivemos imersos em nossas próprias preocupações, nossas próprias memórias, nossos próprios cheiros fantasmas. Sair dessa bolha exige esforço consciente.
Meu erro de ontem foi pequeno em sua manifestação, mas grande em seu significado. Foi um lembrete doloroso de como o egocentrismo sutil pode minar momentos preciosos de conexão. Foi uma demonstração da minha própria contradição – eu, que valorizo a empatia, falhei em exercê-la. Eu, que escrevo sobre a condição humana, tropecei em uma de suas armadilhas mais comuns.
Que esta reflexão sirva. Que a memória deste erro não se torne apenas mais um fantasma olfativo em meu arquivo pessoal, mas um lembrete constante da importância de estar presente, de celebrar, de simplesmente compartilhar a alegria do outro, sem buscar nela um reflexo de mim mesmo.